segunda-feira, 7 de maio de 2007

O Brasil não precisa de usinas nucleares

TudoRondonia.com.br
Por Heitor Scalambrini Costa *


Segundo previsão do Plano Nacional de Energia 2030 - PNE 20030 (Estratégia para a Expansão da Oferta), divulgado pela Empresa de Pesquisa Energética -EPE, o Brasil deverá construir mais quatro usinas nucleares até 2030, duas das novas unidades nucleares com potência de 1 mil MW cada poderão ser construídas na região Nordeste e as outras duas no Sudeste (também com 1 mil MW cada). Além de Angra 3, que já está incluída no Plano Decenal de Expansão de Energia Elétrica (PDEE) 2006-2015 divulgado pelo governo no início deste ano.

Paralisadas há 20 anos, as obras da usina nuclear de Angra 3 (1.350 MW), segundo prevê um dos anexos do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), deverão ser retomadas em julho, e estima para agosto de 2013 a entrada de operação da terceira usina termonuclear brasileira, com investimentos da ordem de R$ 7 bilhões.

A elaboração destes planos de expansão da oferta energética sofre de um erro de origem: a ausência da sociedade no debate da questão energética, e sua efetiva participação no processo decisório. A ampliação do espaço de debate é fundamental para tornar politicamente sustentável o processo de decisão. O debate energético não pode permanecer confinado nas mesas e gabinetes de "experts", hábeis na manipulação de números e unidades (Watts, Joules, Btu´s,....), que buscam na epistemologia das ciências a legitimação das decisões que afetam toda a sociedade.

O Brasil não tem necessidade de construir mais usinas nucleares para atingir a meta do PAC de aumentar a oferta de energia elétrica. Estas decisões referentes à construção de usinas de geração de eletricidade têm sido expostas diante de um suposto aumento dos riscos de déficit de energia, alimentadas pela síndrome do apagão.

Fonte de energia elétrica ambientalmente incorreta por causa dos riscos de acidentes e pela produção de resíduos radioativos, o uso da nucleoeletricidade pelo Brasil é estrategicamente incorreto, e deveria ser definitivamente descartada. Parece-me mais inteligente buscar formas de aumentar a eficiência e a conservação de energia, e de encontrar na diversidade das fontes renováveis as múltiplas saídas para os problemas energéticos do país.

O Brasil tem hoje aproximadamente 70 usinas hidroelétricas com mais de 20 anos que poderiam sofrer uma repotenciação (troca de equipamentos, por ex. substituição do rotor do gerador, ou modernização de componentes e sistemas). Se isso fosse feito, mais ou menos 60% da meta do PAC já seria contemplada. O custo é bem menor comparado à construção de novas usinas, que absorvem a maior parte dos investimentos somente em obras civis. Os 40% restantes da meta do PAC poderiam ser obtidos sem nenhuma nova obra civil.

Bastaria que se investisse na redução das perdas do setor elétrico nacional, que hoje, desde a transmissão até chegar ao domicílio ou ao eventual consumidor industrial, são da ordem de 15%. Se houvesse um esforço para que o desperdício fosse reduzido para 10%, isso já seria suficiente para fechar a conta. Esses 5% de ganho, que não é muito, permitem atingir a meta do PAC. O sistema brasileiro hoje tem cerca 97 mil megawatts aproximadamente de potencia instalada.

Os processos de repotenciação proporcionariam quase 8.000 megawatts, e a redução do desperdício, mais 4.850 megawatts. Mas isso tem de ser bem planejado, porque implica desligar as usinas para que as máquinas mais potentes possam ser instaladas. Esse processo de repotenciação não ocorreu até hoje no país por causa da cultura das megaobras. Parece que os governos preferem construírem grandes usinas, porque elas acabam dando mais visibilidade, rendendo votos para a próxima eleição.

O argumento sobre o temor de um apagão energético no final da década, é uma das principais preocupações daqueles que defendem a construção da usina nuclear de Angra III. Lamentavelmente a opção nuclear é a opção preferencial, em detrimento da busca pela eficiência energética e adoção de matrizes energéticas renováveis, como o uso da biomassa (produzida a partir da queima de resíduos agrícolas ou outro material orgânico), da energia eólica, da energia solar e da produção de biocombustíveis sem aumento do desmatamento.

O PDEE, que tem pouco apreço pela busca da eficiência energética e do uso racional de energia, foi elaborado para beneficiar as indústrias do setor eletro-intensivo, como as empresas produtoras de ferro, celulose e alumínio primário, que são grandes consumidoras (e desperdiçadoras) de energia, concentrando em três megaprojetos (as usinas hidrelétricas de Jirau e Santo Antonio - no Rio Madeira, em Rondônia, a de Belo Monte, no rio Xingu, no Pará e a usina nuclear de Angra 3) que causarão grandes impactos sociais e ambientais e têm uma chance razoável de dar errado.

O governo não dá muita importância à adoção de novas matrizes de energia renovável no país. As energias renováveis são relegadas no PDEE, enquanto deveriam ser encaradas como a grande solução para a questão energética. O Brasil, já é capaz de produzir em quantidade energia solar térmica, solar fotovoltaica, eólica ou biomassa, entre outras, e só não o faz por falta de vontade política do governo. O governo segue desconsiderando essa tendência internacional apesar do país possuir potencial para suprir totalmente a demanda nacional atual e também para fornecer eletricidade a locais remotos que não a possuem ou que utilizam outras fontes como a geração a diesel ou a gás.

Ao desprezar as fontes renováveis, o país acaba deixando de economizar energia. Essas fontes poderiam também resolver problemas atuais do setor, como o pico de consumo causado por chuveiros elétricos e que pode ser reduzido utilizando a energia solar térmica, beneficiando a todos, inclusive às concessionárias. Assim a demanda poderia ser mais balanceada e o fator de carga elevado.

Como podemos observar, a temática da oferta da energia traz questões de ordem política decorrente da forma como as diferentes opções energéticas são impostas a sociedade. O tratamento da questão energética em nosso país continua a revelar a prevalência da visão liberal-mercantilista, que concebe o setor energético como um campo de relações de troca de mercadorias, com vistas à ampliação da acumulação de capital.

* Heitor Scalambrini Costa é professor da Universidade Federal de Pernambuco - UFPE. Coordenador do Núcleo de Apoio a Projetos de Energias Renováveis - NAPER

3 comentários:

Tobias Amorim disse...

Brasil nem precisa e nem tem por que investir, ou melhor, gastar dinheiro com energia nuclear. Quer produzir energia da melhor forma possível? Implemente coleta seletiva de lixo nas cidades e trabalhe os mesmos respectivamente em biogas processamento ou queima controlada e filtrada combinada a usinas termoelétricas, que podem funcionar juntas, de forma que o gás e o lixo sejam queimados para produzir energia. Ou utilizem o gás como fonde de combustível para automóveis, até que nao se desenvolvam sistemas mais eficientes de armazenamento de energia elétrica que possibilitem a disseminacao de carros elétricos.

Anônimo disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anônimo disse...

É necessário observar as questões econômicas na hora de ter se tomado essa decisão, talvez nosso governo possua dependência com alguma corporação... Existem outros fatores envolvidos. Entre uma hidrelétrica e uma nuclear, por pior que sejam seus danos, na balança pareceu no momento a solução mais viável. Existe muitos fatores envolvidos, quem tiver mais informações sobre o assunto favor colocar nos comentários.

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