IPS/Envolverde
por Sarah McGregor
Johannesburgo, 26/04/2007 – A África do Sul pretende aumentar sua produção de biocombustíveis, mas especialistas alertam que a iniciativa pode prejudicar os agricultores de subsistência e causar mais fome em zonas já empobrecidas do país. Seus defensores no Brasil e nos Estados Unidos alegam que os biocombustíveis, como o etanol, são uma alternativa de energia mais limpa que provém de fontes renováveis. Mas, sua produção gasta muita energia e utiliza combustíveis de origem fóssil para processá-lo e transportá-lo.
Nos últimos anos, o crescente apetite por essa fonte alternativa, somado aos preços em alta do petróleo no mercado internacional, aumentou, por exemplo, a demanda de milho, um dos vegetais usados para produzir etanol, e aumentou os preços das mercadorias. Por puro interesse de arrecadação, a África do Sul espera iniciar logo uma política de biocombustíveis que, segundo o governo, revitalizará o setor agrícola e preparará o caminho para o desenvolvimento da indústria local.
As autoridades indicam que essa indústria ajudará o país a atingir seu objetivo de reduzir as emissões de gases causadores do efeito estufa no contexto do Protocolo de Kyoto, serão criados 55 mil postos de trabalho e contribuirá para o crescimento econômico. A maioria dos cientistas atribui o aquecimento do planeta aos gases que causam o efeito estufa, como dióxido de carbono, metano e óxido nitroso. Sob o Protocolo de Quioto, estabelecido em 1997 nessa cidade japonesa, 35 países industrializados, menos Estados Unidos e Austrália, se comprometeram a reduzir suas emissões desses gases em pelo menos 5,2% até 2012, em relação às emissões de 1990.
Alguns agricultores sul-africanos se mostraram confiantes de que os cultivos capazes de gerar “combustível verde” sejam uma importante fonte de renda. Restam ainda três anos para ficar terminada a primeira unidade processadora de etanol na África do Sul. A idéia é misturar apenas uma pequena quantidade desse biocombustível à gasolina, cerca de 5% comparado a 85% no Brasil e nos Estados Unidos. “Os biocombustíveis serão um grande negócio dentro de alguns anos. Esse é o futuro se quisermos sobreviver e sermos competitivos”, disse Theunis Pretorius, que possui 1.800 hectares na província Estado Livre.
Porém, nem todos pensam assim. Algumas pessoas temem que um passo nesse sentido seja uma variação para os cultivos destinados à produção de alimentos, enquanto aumenta a pressão dos preços, especialmente para os mais pobres. Um prato rico em calorias, feito à base de farinha de milho cozida em aveia, que acompanha guisados ou carne assada, continua sendo uma comida popular e bastante barata na África do Sul. Segundo Michelle Pressend, pesquisadora do Instituto para o Diálogo Global, com sede em Johannesburgo, os biocombustivis supõem um risco para a sustentabilidade ambiental.
A agricultura intensiva costuma exigir grandes quantidades de combustíveis fósseis para fazer funcionar as maquinas, utiliza insumos perigosos e degrada o solo. Prssend também se mostrou preocupada pela possibilidade de a África do Sul perder sua capacidade de se auto-sustentar ou de exportar o excedente de milho para países vizinhos, pois as principais terras de cultivo cada vez mais se destinarão à produção de combustível e não de alimentos. “Não temos apenas de pensar no argumento ambiental. Também temos de considerar a segurança alimentar”, disse Pressend. “Se as fontes de alimentação se convertem em biocombustíveis pode haver escassez e aumento de preços”, acrescentou.
A substituição de produtos comestíveis por cultivos residuais destinados à geração de energia pode erodir os esforços para combater a fome na África subsaariana, uma região com escassez de alimentos e onde vivem cerca de 200 milhões de pessoas com desnutrição, segundo estimativas da Organização das Nações Unidas. Este ano, grandes áreas rurais da África austral serão afetadas por inundações ou secas.
Por causa dessa situação, deverão importar milhares de toneladas de milho para combater o déficit, segundo o Programa Mundial de Alimentos (PMA). E o pior é que agora a África do Sul, exportadora de milho branco, deverá importar esse produto porque a produção esteve abaixo das previsões. Este ano, os preços do milho no país atingiram seu ponto mais alto em décadas. Alguns especialistas esperam que essa tendência de alta continue devido à febre mundial pelo bioetanol.
Outro assunto que preocupa é que as atividades agrícolas de grande escala utilizam as terras mais produtivas para cultivos destinados à indústria de biocombustivis, tirando o lugar dos camponeses de subsistência que utilizam antigas técnicas e carecem de capacidade para competir no mercado mundial, disse Pressend. “A grande dúvida é como os biocombustíveis vão favorecer o grande setor agrícola e os agricultores comerciais com grandes extensões de terra às custas dos pequenos que não podem acompanhar o ritmo”, acrescentou a especialista.
Após 12 anos de encerrado o apartheid, o regime de segregação racial em prejuízo da maioria negra por parte da minoria branca, os agricultores de origem européia continuam possuindo a maior quantidade de terras aráveis, apesar da política governamental de devolver um terço delas à população autóctone antes de 2014. “O caminho descendente do governo está em conflito direto com o imperativo de segurança alimentar. Os mais pobres e vulneráveis já sentem o ajuste. Os preços vão continuar aumentando em algum momento”, destacou Jeremy Wakfor, economista experiente da Universidade da Cidade do Cabo. “O governo terá de decidir se promove os produtos alimentícios ou os combustíveis”, concluiu.
Segundo Wakeford, os agricultores de subsistência devem ser os primeiros a participar da indústria local do etanol. “Necessitamos acelerar a implementação de um programa de capacitação para que os pequenos agricultores produzam alimento suficiente para atender suas necessidades e tirem um pouco mais dos biocombustíveis”, afirmou. “Está questão deve ser manejada com cuidado ou pode ocorrer fome. Também pode haver mais mortes causadas pela aids em pessoas mal alimentadas”, alertou este economista.
“Isso pode causar um descontentamento social, pois a África do Sul tem uma sociedade muito dinâmica que não duvidará em reclamar a intervenção do governo se os preços ficarem insustentáveis”, afirmou Wakeford. Alguns destes temores se tornaram realidade em outras partes do mundo em desenvolvimento. A demanda mundial de etanol deste ano é m parte responsável pelo aumento dos preços do milho no México, onde a tortilha, preparada com esse cereal e base da dieta da população mais pobre, acusou o golpe. Os consumidores reagiram indignados pelo aumento do preço do milho e o governo mexicano teve de intervir para controlá-lo.
Por sua vez, Craig Steward, do Instituto de Pesquisa Internacional de Johannesburgo, minimizou as possíveis conseqüências, tanto positivas quanto negativas, de que a África do Sul irá atrás dos combustíveis renováveis, alegando que o país está limitado por sua pequena indústria agrícola. Steward argumentou que os benefícios da indústria do etanol na África do Sul tendem à redução de sua dependência nas importações do petróleo. “Alimentação versus combustível h um dos grandes debates”, admitiu. “Mas, não me atreveria a dizer que isto pode afetar o fornecimento de alimentos de maneira negativa, porque estamos falando de pequenas quantidades de cultivos para biocombustíveis em comparação com os destinados à alimentação”, conclui Stward.
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