terça-feira, 1 de maio de 2007

Alimentos Transgênicos: A posição do IDEC

Terra de Direitos

Nunca um assunto relacionado à agricultura e à alimentação causou tanta polêmica como os alimentos geneticamente modificados.

As discussões sobre sua segurança, seus riscos e benefícios, bem como os aspectos éticos envolvidos na liberação comercial de cada espécie de transgênico ocupam espaços importantes na imprensa, nas universidades e no meio científico, nos parlamentos e, aos poucos, no cotidiano da população.

Não é para menos. Trata-se de uma verdadeira revolução no uso da Ciência, que rompeu a curta distância que havia, até então, entre a ficção e a realidade, revolução esta capaz de propiciar a realização de modificações de espécies, através da manipulação dos seus códigos genéticos, criando, assim, novos organismos ou novos seres e, por conseguinte, novos produtos.

Se por um lado assistimos com satisfação o emprego da Engenharia Genética na produção de medicamentos para o tratamento de diversas doenças, onde os benefícios são inquestionáveis, havendo, inclusive, o cumprimento de rigorosos protocolos de avaliação de riscos antes de sua liberação, por outro, preocupa-nos o uso dessa tecnologia nos alimentos. Aqui, ao contrário da produção de medicamentos, o enfoque não é a busca por benefícios reais à sociedade aliado à precaução de se evitar impactos indesejáveis à saúde e ao meio ambiente.

No caso dos alimentos transgênicos há uma associação incompreensível de interesses de governos nacionais e de pouquíssimas empresas globais que antes fabricavam venenos e que agora passam a produzir sementes transgênicas resistentes aos seus próprios venenos! Essa união tem empreendido um grande esforço para colocar rapidamente tais produtos no mercado, sem regras de segurança, com uma avaliação superficial de riscos e uma firme determinação em ocultar do consumidor o tipo de alimento que ele irá consumir.

Na nossa visão, há a necessidade de se adotar uma postura cautelosa na liberação de cada produto transgênico, visando garantir a proteção dos consumidores - e do meio ambiente - em relação aos alimentos transgênicos. Deve haver um sólido processo regulatório (incluindo testes pré e pós-comercialização e estudos de impacto ambiental), complementando-se com um controle governamental eficiente na produção, industrialização e comercialização, além de uma rotulagem plena desses produtos.

A adoção de procedimentos rígidos para a avaliação dos impactos à saúde dos seres humanos e ao meio ambiente se justifica pelos os riscos inerentes aos transgênicos. A existência de riscos é alertada não apenas por entidades de defesa do consumidor e ambientalistas. É reconhecida pela legislação (especialmente, Constituição Federal, artigo 225, § 1º, II, e V e Lei de Biossegurança). Igualmente, os riscos dos transgênicos são considerados por entidades científicas notórias como a SBPC no Brasil, a Union of Concerned Scientists nos Estados Unidos, a Physicians and Scientists for the Responsable Application of Science and Technology na Europa, a Associação Médica Britânica, para citar poucos.

Preocupa-nos, por exemplo, o aumento ou potencialização dos efeitos de substâncias tóxicas naturalmente presentes nas plantas que tenham o seu material genético manipulado; o aumento das alergias alimentares, por se tratar de novas proteínas ou novos compostos; a possibilidade de se causar resistência bacteriana a antibióticos, pelo uso de genes marcadores na construção do organismo geneticamente modificado que podem conferir àqueles micróbios resistência a antibióticos; o aumento de resíduos de agrotóxicos nos alimentos e nas águas de abastecimento, pelo uso em muito maior quantidade dessas substâncias em plantas resistentes às mesmas; além de uma série de graves danos ambientais que indiretamente comprometerão a inocuidade dos alimentos.

Além da prevenção dos riscos à saúde e ao meio ambiente, deve-se assegurar na regulamentação desses produtos que os consumidores tenham o direito à informação e à liberdade de escolha. É legítimo que fatores éticos, religiosos e culturais, determinem, por exemplo, preferências por uma dieta vegetariana, orgânica ou isenta de proteínas de origem animal. Além disso, sabemos, que a rotulagem, neste caso, é o meio de permitir a rastreabilidade na investigação de qualquer evento ocorrido após a comercialização dos produtos.

Um outro aspecto relevante, especialmente no que se refere à produção de alimentos nos países menos desenvolvidos, como o Brasil, é o domínio do mercado de sementes por algumas poucas empresas. Elas vêm buscando impor uma dependência total dos agricultores aos seus pacotes tecnológicos, através de contratos com normas para o uso das suas sementes e insumos. (Não é por outra razão que está em desenvolvimento pesquisa visando a obtenção de sementes com o gene "Terminator" - gene este que impede a germinação dos grãos produzidos e elimina o aproveitamento dos mesmos para plantio). O impacto desse oligopólio global sobre os pequenos produtores, que praticam a denominada agricultura familiar e de subsistência - que são a metade dos agricultores do planeta -, será enorme, podendo afetar gravemente a segurança alimentar de muitos países.

Por essas e outras razões, consumidores surpresos e justificadamente preocupados manifestam sua posição contrária aos alimentos transgênicos e exigem a rotulagem plena dos mesmos para que possam exercer o seu direito de escolha. Segundo pesquisas realizadas nos países integrantes da Comunidade Européia, a percentagem de consumidores que querem a rotulagem dos transgênicos é altíssima. Nos Estados Unidos, pesquisa feita por uma das maiores empresas da agroindústria mundial demonstrou que 99% dos norte-americanos querem que os alimentos transgênicos tenham uma clara identificação no rótulo. A mesma exigência é manifesta no Japão, na Austrália e no Canadá.

No Brasil, o IDEC também vem externando sua preocupação às autoridades e à opinião pública, principalmente tendo em vista que o Governo Federal, por meio da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança - CTNBio, tem conduzido de forma irresponsável a questão, apoiando sobremaneira os interesses meramente comerciais das empresas de biotecnologia. Nesse sentido, a Comissão "avaliou" o primeiro pedido de liberação comercial de cultura transgênica (a soja roundup ready) sem a prévia elaboração dos regulamentos técnicos pertinentes e sem exigir o indispensável Estudo de Impacto Ambiental!

Desde julho de 1998, quando a empresa Monsanto solicitou a "desregulamentação" da citada soja, o IDEC e diversas outras organizações sociais de expressão nas suas áreas de atuação, têm buscado tornar pública a discussão e contestado administrativa e judicialmente esse processo. Recentemente, uma importante decisão judicial impediu a liberação da soja transgênica antes da realização do Estudo de Impacto Ambiental e a instituição dos regulamentos de rotulagem e segurança alimentar (como condições prévias à autorização da liberação do referido produto).

Na prática, esta decisão é uma espécie de moratória para a liberação dos transgênicos no nosso país, pois, embora continue o litígio judicial, não poderá haver a liberação da indigitada soja, e, pela mesma lógica, de outros alimentos transgênicos, enquanto não forem atendidas as determinações judiciais.

É importante salientar que alguns setores governamentais têm apoiado e fortalecido a posição do IDEC de forma direta ou indireta. Em relação a realização prévia de Estudo de Impacto Ambiental - EIA/RIMA para a liberação da soja, por exemplo, o IBAMA - Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis, integrou a ação judicial contra a União Federal (CTNBio). Também, o CONAMA - Conselho Nacional de Meio Ambiente, em sua última reunião, aprovou uma proposição reafirmando a necessidade de licenciamento ambiental e de realização de EIA/RIMA e criou um grupo de trabalho para estabelecer os termos de referência do referido estudo em relação aos organismos geneticamente modificados.

No mesmo sentido, os Procons, em duas reuniões nacionais este ano, manifestaram apoio à instituição de um regulamento de rotulagem plena dos transgênicos, já tendo o Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor do Ministério da Justiça elaborado uma proposta a ser avaliada por uma Comissão Interministerial.

No âmbito das organizações civis de defesa do consumidor, especialmente as que compõem o Fórum Nacional das Entidades Civis de Defesa do Consumidor, ao qual o IDEC é filiado, vem sendo desenvolvida uma campanha em relação aos alimentos transgênicos para informar a sociedade sobre essa nova tecnologia e, especialmente, seus riscos.

A posição do IDEC em relação aos transgênicos é a mesma de muitos setores da sociedade brasileira, inclusive de setores governamentais importantes. A princípio, não somos contrários à aplicação da engenharia genética nos alimentos, porém defendemos um rigoroso controle na sua utilização para que direitos básicos do cidadão sejam respeitados (tais como o direito de comer alimentos seguros, de liberdade de escolha e informação, e, por fim, o direito ao meio ambiente sadio e equilibrado) hoje e no futuro, para nós e para as próximas gerações.

Marilena Lazzarini é engenheira Agrônoma, coordenadora executiva do IDEC -Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, organização civil com 40 mil associados- e presidente do Fórum Nacional das Entidades Civis de Defesa do Consumidor, que articula outras 20 organizações de consumidores no Brasil.

Autor/Fonte: Marilena Lazzarini / Idec

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