Nos últimos dias, o lobby pelas usinas incluiu a tradicional pressão das empresas interessadas, uma 'caravana' da bancada de Rondônia pelo Ministério do Meio Ambiente e até 'ameaças' de adoção da energia termelétrica ou nuclear feitas por Dilma Rousseff.
por Maurício Thuswohl, da Agência Carta Maior
A pressão para que sejam logo concedidas as licenças ambientais para a construção das usinas hidrelétricas Santo Antônio e Jirau, no Rio Madeira, atingiu nesta semana o seu ponto máximo. A ministra Marina Silva tem afirmado por reiteradas vezes que não está sendo pressionada pelo Planalto para acelerar as análises feitas pelo Ibama, mas a evolução dos fatos mostra o contrário. Nos últimos dias, o lobby pelas usinas incluiu a tradicional pressão das empresas interessadas, uma "caravana" da bancada parlamentar de Rondônia pelos gabinetes do Ministério do Meio Ambiente (MMA) e até mesmo "ameaças" de adoção da energia termelétrica ou nuclear feitas pela ministra Dilma Rousseff (Casa Civil).
O poder desses tantos interesses, por mais que Marina Silva negue, está alterando o comportamento do setor ambiental do governo. A postura firme do MMA em defesa da conclusão "no tempo que for necessário" dos estudos efetuados pelo Ibama mudou sensivelmente, a julgar pelas recentes palavras do secretário-executivo do ministério, João Paulo Capobianco, e do presidente interino do Ibama, Basileu Margarido Neto, garantindo que a licença será concedida em breve.
Segundo o senador Valdir Raupp (PMDB-RO), o presidente do Ibama teria dito que "o prazo máximo é 30 de junho, mas que a licença pode sair até mesmo antes disso". Entusiasta das usinas, Raupp sugeriu até uma data para a concessão das licenças: 10 de junho, assim que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva retornar da viagem que fará ao exterior.
Encampada pela grande mídia, a versão do senador foi timidamente contestada em nota conjunta divulgada por Basileu e Capobianco, na qual afirmam que "o Ibama não tomará qualquer decisão sobre o empreendimento antes da conclusão do parecer técnico", mas também garantem que o mesmo "está sendo executado com o sentido de urgência e afinco que o assunto exige".
É um tanto dúbia essa nota divulgada pela cúpula ambiental do governo. Os outros setores interessados economicamente nas usinas do Madeira, ao contrário, estão firmes em sua posição e, a cada dia, aumentam o controle sobre o processo de licenciamento. A começar pela nova série de estudos solicitada pelo MMA que, curiosamente, parece ter saído da alçada do ministério e passado para as próprias empresas interessadas nas usinas.
Ainda na gestão de Marcus Barros, os técnicos do Ibama responsáveis pelo parecer que recomendava novos estudos e o conseqüente adiamento do início das obras de Santo Antônio e Jirau foram exortados a elaborar uma lista com todas as suas dúvidas. Essa lista seria enviada a um grupo de "especialistas externos" que seriam escolhidos pelo Ministério das Minas e Energia (MME) para manifestar sua opinião sobre o projeto.
Não se sabe se os especialistas tiveram acesso à lista de dúvidas, mas alguns - entre eles o renomado francês Sultan Ali - de fato realizaram estudos a pedido do MME. Apesar de seu valor, esses estudos referem-se a pontos específicos do projeto e, mesmo reunidos, apresentam uma avaliação fragmentada do mesmo. Uma avaliação prévia global, como a realizada pelo Ibama, é, no entanto, fundamental para se entender o impacto ambiental da obra. Assim sendo, o luxuoso auxílio dos "especialistas internos" não serviu para resolver o impasse.
E a lista elaborada pelos técnicos do Ibama? Essa, que já havia quase sido esquecida, começou a ser respondida nos últimos dias justamente pelos maiores interessados na construção das usinas do Madeira: os técnicos do MME e as empresas _ Odebrecht e Furnas _ que formam o consórcio de R$ 23 bilhões responsável pela obra. É um caso clássico de raposa fazendo a segurança do galinheiro.
Cabe perguntar: a quem mais interessa, além dos que estão ansiosos para lucrar logo com a obra, que o projeto seja levado na base da "vida ou morte" pelo governo? O conjunto Santo Antônio-Jirau é simplesmente a obra mais cara do PAC e, vale dizer, no projeto ainda não estão incluídos os custos necessários à instalação de centenas de quilômetros de redes de transmissão. Se fosse a única opção do Brasil em termos de geração de energia, o desespero governamental se justificaria. Mas, esse não é o caso, nem mesmo se falarmos apenas da opção hidrelétrica.
Um estudo apresentado recentemente pela Unicamp e pela WWF Brasil mostra claramente que, se privilegiasse a adoção de pequenas hidrelétricas e se esforçasse para reduzir o alto desperdício de energia ocorrido no momento da transmissão, o governo atingiria praticamente o mesmo resultado obtido com Santo Antônio e Jirau sem provocar um décimo de seu impacto ambiental.
Outra possibilidade inteligente seria a repotenciação das usinas hidrelétricas com mais de 20 anos de uso. Em entrevista concedida à Carta Maior, o professor Célio Bermann, da USP, afirmou que um projeto nesse sentido poderia adicionar 8 mil MW ao estoque de energia gerada atualmente no país, o que significaria dois terços da demanda exigida pelo PAC.
Isso, para falar só das hidrelétricas, sem contar o grande potencial do Brasil em termos de diversificação de sua matriz energética ou de adoção de fontes alternativas renováveis, como a eólica e a solar. Ou seja, as políticas existem e parecem simples e econômicas, mas infelizmente não fazem parte do cardápio de interesses dos políticos (e empreiteiras) que estão no poder. Estes e aquelas preferem obras faraônicas, com grandes cifras.
O que Santo Antônio e Jirau representam, na realidade, é a possibilidade de concentrar num único projeto todo o esforço para garantir a segurança energética do país pelos próximos anos. Isso significa também concentrar o poder político decorrente de tal controle energético nas mãos de poucos, coisa que não ocorreria no caso de um plano nos moldes do que foi sugerido pela Unicamp e o WWF.
Nesse enredo, Lula parece movido pelo temor de que um eventual apagão venha a macular sua trajetória na Presidência da República e dificultar as coisas em 2014. É apostando nesse temor presidencial que os entusiastas das usinas do Madeira estão fazendo prevalecer no governo a política do "vida ou morte" para apressar a execução do projeto.
O curioso é pensar que o principal defensor das usinas no governo era Silas Rondeau, ministro recentemente exonerado do MME por ter recebido dinheiro da empreiteira Gautama, de Zuleido Veras. Deveria passar pelo crivo de Rondeau a indicação do PMDB para a presidência de Furnas, tão cobiçada pelo partido a ponto de gerar brigas internas. Por quem passará agora?
Chega a dar um frio na espinha quando imaginamos os R$ 23 bilhões iniciais do projeto Santo Antônio-Jirau administrados por essa turma, não é mesmo? Os interesses deles, assim como os das empreiteiras, nós já sabemos qual é. O interesse de Lula, mesmo sendo questionável em sua razão política e ideológica, é justificável. O que faz a direção do MMA e do Ibama nesse história é o que ainda escapa a minha compreensão.
Maurício Thuswohl é editor de Meio Ambiente e correspondente da Carta Maior no Rio de Janeiro.
segunda-feira, 4 de junho de 2007
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