segunda-feira, 4 de junho de 2007

Usinas do Madeira ficarão mais caras

Alterações no projeto exigidas pelo Ibama vão fazer a construção das hidrelétricas ultrapassar os cerca de R$ 20 bilhões previstos. Cálculos estão sendo refeitos e até as turbinas podem mudar

por Mariana Mazza e Luís Osvaldo Grossmann, para o Correio Braziliense
Fonte: Amazonia.org.br

O governo brasileiro deve conseguir apressar a liberação da licença ambiental para o complexo hidrelétrico do Rio Madeira, em Rondônia. Mas terá de rever o investimento necessário para levantar as usinas de Jirau e Santo Antonio, de aproximadamente R$ 20 bilhões. Segundo o consórcio Odebrecht/Furnas, interessado nas obras, o custo será maior para evitar danos ambientais e conservar as 44 turbinas do complexo.

“Talvez não seja impactante, mas terá que ser revisto. Seja pelo custo de retirada da ensecadeira, seja pela proteção dos equipamentos”, admite o diretor de Meio Ambiente da construtora Norberto Odebrecht, Sérgio França Leão. “Vai ser necessária uma adequação, porque remover a ensecadeira tem um custo. Os equipamentos terão que ser projetados para passar sedimento grosso. Mas essa conta ainda não está fechada”, explica. Segundo ele, a mudança não inviabiliza as usinas, mas deve encarecê-las.

A ensecadeira a que se refere o diretor da Odebrecht funcionaria como um dique de contenção e foi a solução proposta pelo consórcio para evitar que os sedimentos mais pesados do Rio Madeira se acumulassem no reservatório até chegar ao nível das turbinas, prejudicando seu funcionamento. Essa barreira seria necessária para reter parte dos sedimentos levados pelo rio — a previsão era de 20% —, evitando assim o assoreamento do reservatório. “O que a ensecadeira previa era segurar esse sedimento grosseiro para que não houvesse depósito ao pé da barragem”, diz Leão.

São os sedimentos — e não o bagre, como chegou a sugerir o presidente Luiz Inácio Lula da Silva — os maiores entraves ao projeto, segundo o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Pelo Estudo de Impacto Ambiental (EIA) apresentado pelo consórcio Odebrecht/Furnas, os efeitos da obra no movimento natural dos sedimentos do rio teriam como conseqüência “uma expectativa de rápido e significativo assoreamento dos reservatórios”.

Diante da recusa inicial do instituto, o Ministério de Minas e Energia procurou uma segunda opinião. Para isso, contratou o consultor do Banco Mundial Sultam Alan, especialista em sedimentos, que chegou a uma conclusão diferente do EIA. Para ele, a análise constante no estudo do consórcio é “muito conservadora”, uma vez que as velocidades do rio, durante a cheia anual, devem ser suficientemente altas para remover as areias acumuladas durante os períodos de baixa vazão.

O conservadorismo foi prever que levaria até 20 anos para equilibrar o fluxo de areia e cascalho pesados no rio. Para o especialista Sultam Alan, essa dificuldade estaria sanada já no primeiro ano de funcionamento das hidrelétricas.

A pressão do governo para a construção das usinas levou o consórcio Odebrecht/Furnas a descartar as conclusões de seu próprio estudo, o EIA, para adotar os parâmetros defendidos pelo consultor contratado pelo ministério. “Nós adotamos um cálculo conservador, considerando uma concentração de sedimentos não tão finos como há no Madeira, como constatado pelo Sultam Alan”, diz o diretor da Odebrecht. “Ficamos tranqüilos de que aquela proteção dos equipamentos (a ensecadeira), não se justificava”, completa.

No último mês, o Ibama se tornou alvo de críticas por exigir maiores explicações sobre os impactos do complexo hidrelétrico do Rio Madeira, a maior obra prevista no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Sucederam-se queixas públicas dos ministros de Minas e Energia, da Casa Civil e do próprio presidente da República. Em meio à artilharia, o Instituto acabou dividido em dois, diretores foram substituídos e a instituição está em greve desde 14 maio. Nas duas últimas semanas o Ibama voltou a receber elogios oficiais. Coincidentemente, é dado como certo que o órgão assinará em breve a liberação da licença ambiental, em tempo hábil para que as usinas sejam leiloadas ainda este ano, ao contrário das expectativas há apenas um mês.

Dúvidas sobre a nova técnica

A revisão dos estudos do consórcio Odebrecht/Furnas não dirimiu, ainda, todas as dúvidas do projeto. Para tentar solucionar os problemas, o consórcio se dispõe a fazer um modelo reduzido das usinas dentro do chamado Projeto Básico de Engenharia, segunda etapa para a conquista da licença de instalação. As dúvidas giram em torno do uso de uma tecnologia jamais implantada no Brasil.

Cada usina terá 22 turbinas bulbo, modelo que aproveita a velocidade do rio para gerar energia, sendo instaladas “a fio d’água”, ou seja, próximas à superfície. Todas as hidrelétricas implantadas no Brasil usam tecnologias que exigem quedas d’água, em especial os modelos Francis (Tucuruí) e Kaplan (Três Marias). Os engenheiros não se preocupam apenas com o ineditismo do uso das turbinas bulbo, mas também com o tamanho do projeto. Não há precedentes no mundo da instalação de tantas máquinas deste modelo, lado a lado, em uma única usina.

A ousadia começa a preocupar os responsáveis. O diretor de Meio Ambiente da construtora Norberto Odebrecht, Sérgio França Leão, admite que ainda não existem respostas conclusivas sobre a segurança técnica do projeto. “Essa análise não foi feita”, explica o diretor. A principal incógnita é se a barragem suportará toda a vibração que as 22 turbinas funcionando concomitantemente produzirá.

A trepidação tem papel importante no licenciamento ambiental. O consórcio argumenta que a remoção dos sedimentos que se assentarão ao pé da barragem será ajudado pela vibração das máquinas. Grandes fabricantes de turbinas estão mobilizados para participar do projeto e têm planos, inclusive, para a montagem de fábricas na região apenas para atender à construção do Madeira. Entre elas, estão as gigantes Alstom e Voith Siemens, responsáveis pelos equipamentos de Itaipu. (MM e LOG)

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