O Globo - 13/04/2007
por Fátima Mello e Adhemar S. Mineiro
Depois da visita do presidente dos EUA George Bush ao Brasil e do segundo encontro dos governantes do Brasil e dos Estados Unidos, o governo brasileiro renova a aposta no incentivo à produção de álcool combustível voltada para o mercado externo. É preocupante que a aposta do Brasil como liderança de uma nova matriz energética a partir da agroenergia - algo positivo, em tese - seja por um caminho que deve aprofundar a concentração fundiária, a produção em monoculturas voltadas para exportação e o esvaziamento da produção de alimentos.
Os programas de incentivo à produção de biocombustíveis pela agricultura familiar podem ser um estímulo, porém o foco no mercado externo tende a concentrar os ganhos nas mãos do setor exportador e das grandes empresas que controlam a cadeia produtiva. A busca por alternativas à atual matriz energética deve priorizar ganhos para a agricultura familiar, para o mercado interno e em especial para o consumo da população de baixa renda, colocando em pauta a necessidade de mudanças nos atuais padrões insustentáveis de consumo.
Vista desse prisma, a conclusão da Rodada Doha na Organização Mundial do Comércio, através de promessas de expansão das exportações da agricultura comercial em troca de perdas no setor industrial, apresenta contradições agudas com o objetivo de uma aceleração do crescimento econômico. O governo deve dizer claramente: crescer de forma mais acelerada é efetivamente um objetivo, ou o que vale é o poder dos poucos que ganham com a expansão do comércio internacional do país, em troca dos efeitos perversos sobre a renda, o emprego e o mercado interno?
Entre os muitos pontos a serem debatidos sobre as negociações no âmbito da OMC, um é especialmente importante: num momento em que as discussões internas no Brasil se concentram no clamor pela retomada do crescimento econômico, expresso nos discursos da campanha eleitoral e, mais recentemente, no lançamento do PAC - Plano de Aceleração do Crescimento, existe uma contradição forte entre o objetivo do crescimento econômico e a
ampliação da opção preferencial pelo mercado externo.
É tênue ou inexistente a relação entre crescimento das exportações e crescimento do PIB. Segundo dados oficiais sobre a balança comercial, em 2003, as exportações cresceram 21% e o saldo comercial quase 89%, enquanto o PIB teve um pífio crescimento de 0,5%. Já em 2006, enquanto o saldo comercial crescia apenas 3,1% e as exportações 16%, o PIB crescia 2,9%,
mais do que no ano anterior.
Além disso, a barganha proposta para viabilizar o rompimento do impasse na Rodada Doha é dramática do ponto de vista do mercado doméstico. O país estaria assegurando a renda exportadora para uns poucos em troca da perda de renda e emprego para muitos, o que traria impactos negativos se o objetivo declarado - a aceleração do crescimento econômico - for para
valer.
Ainda mais complicada é a promessa do governo de compensações e recursos para a reestruturação dos setores industriais que serão afetados pela barganha em curso, em um momento de forte restrição orçamentária, onde o Ministério da Fazenda anuncia que um dos objetivos do PAC é reduzir o déficit nominal das contas públicas. Em um quadro em que os responsáveis pelo orçamento público prometem fazer milagres, e é restringida a possibilidade de melhorias salariais para os trabalhadores do setor público, a promessa significa na prática ainda menos recursos orçamentários disponíveis para esses setores.
Teríamos ainda, caso fossem retomadas as negociações com a barganha proposta, uma nova e forte pressão do eventual dinamismo dos setores da grande agricultura comercial de exportação sobre a produção e a propriedade da agricultura familiar e camponesa, cuja capacidade de empregar brasileiros na produção rural, se encadear dinamicamente com outros setores
e atender ao mercado interno é muito maior do que a da grande agricultura comercial.
Resta, mais uma vez, a pergunta: crescer de forma acelerada é apenas uma retórica ou um objetivo que levará em conta o efetivo desenvolvimento?
Fátima Mello é secretária-executiva da Rede Brasileira pela Integração dos Povos (Rebrip). Adhemar S. Mineiro é economista e assessor da Rebrip.
visite o site da Rebrip
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2 comentários:
Eu era bem a favor de abastecermos nossos carros com alcool. Era muito satisfeito quando a usina de alcool na minha regiao (Naviraí-MS) pertencia a moradores da cidade e trazia com isso riquezas para cidade. Era muito feliz quando passava pela estrada e encontrava depois de muito andar uma plantacao de cana na qual eu me alegrava em "coletar" uma cana para poder chupar. Mas desde a minha ultima viagem a Naviraí, na qual fiquei sabendo que a usina e grande parte das terras produtoras de cana foram compradas por uma empresa americana. Que passando por SP eu só via plantacao de cana e ficava feliz quando havia uma pastagem. E a cada dia vejo no meu laboratório aqui na Alemanha mais e mais projetos para desenvolverem sistemas de colheitadeira para cana de acucar. E a cada semana que abro o jornal (Die Zeit) ou em revistas de todos os generos ou mesmo em programas de rádio ouco a problematica da extrema expansao de plantacoes de cana, soja e milho sem o fim de producao de alimento. Fico me a pensar se é bem por ai o caminho.
Um estudo feito pela Photon (04/07) mostra que tomando-se como base um automóvel elétrico e um automóvel convencional e considerando uma area de plantacao de 1 ha. Seria possível com uma area de 1 ha coberta com paineis solares produzir energia suficiente para rodar um automovel 147x do que o mesmo movido a bio-combustível.
Com isso me pergunto as vezes qual a melhor alternativa. Prefiro considerar que nao existe melhor alternativa, mas que a mistura delas é a melhor de todas. Neste princípio investe também no momento GM com o seu proximo modelo Volt. Um carro hibrido plug-in que tera um motor a combustao e um motor elétrico com autonomia de 60 - 100 km. Claro isso vai depender da technologia do sistema de armazenamento até lá. Assim como o dono da Teslar disse. Ele acredita na chegada de super capacitores que possibilitarao nao somente o armazenamento de grande quantidade de energia à um longo "life time" e com possibilidade de uma rápida recarga. Por enquanto agente continua apostando nas baterias Lition-Ion e na promessa de empresas como a Enax de alcancar baterias com capacidade de 200 Wattstunden por kilo.
olá tobias!
obrigado mesmo por todas as valiosas contribuições que vc tem feito ao blog!
vou procurar ler esse artigo!
acho que no início de maio já deve estar disponível no site da photon magazine.
abraço!
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