terça-feira, 24 de abril de 2007

Prospecção de petróleo gera polêmica no Acre. Sob forte pressão, pregão da ANP é suspenso

Valor Econômico
por Caio Junqueira


Marcada por embates entre seringueiros e madeireiros, a história acreana está prestes a entrar em uma nova fase polêmica de seu desenvolvimento, com a proposta do senador Tião Viana (PT-AC) de prospectar petróleo e gás natural no Vale do Juruá, a área mais ocidental do Brasil. Integrada a bacias sedimentares, o subsolo do Juruá é tido pela Agência Nacional do Petróleo e pela Petrobras como ponto certeiro da existência de combustíveis fósseis. Do outro lado da fronteira, nos Estados peruano de Madre de Dios e boliviano de Pando, a exploração já está sendo feita. A celeuma, porém, ocorre pela localização da área. Coberta por uma das maiores biodiversidades do planeta, na região se estendem longas florestas contínuas, com índios isolados e grande população ribeirinha.

Desde a sua apresentação, a proposta produz debates acalorados que se amplificam por toda a região Norte do país. De um lado, os que defendem a exploração e julgam possível que dela não decorra danos ambientais e culturais. Do outro, os contrários à idéia, por julgarem impossível que essas áreas e povos não sejam afetados.

No governo acreano, a questão não é tratada abertamente, o que levanta suspeitas sobre eventuais conseqüências políticas para a Frente Popular que comanda o Estado desde 1999. O governador do Acre, Binho Marques (PT), evita o assunto. No último dia 12, não compareceu a um debate marcado com grande antecedência sobre o tema promovido pelo senador Tião Viana no Teatro Plácido de Castro, em Rio Branco. Não dá entrevistas sobre o tema e o máximo que disse até o momento é que "apóia o debate". A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, faz a linha do silêncio.

O Valor por mais de uma semana procurou a ministra e o governador por mais de uma semana. A assessoria de Marina alegou problemas na agenda, mesma excusa apresentada por Binho Marques. No governo estadual, as críticas mais severas vêm da pessoa mais próxima do governador, o assessor especial Toinho Alves. Principal formulador do conceito de "florestania", captado e propagandeado pela Frente desde a ascensão ao poder, ele se coloca radicalmente contra: "Vai contra tudo o que a gente sempre defendeu".

O maior expoente do grupo, o ex-governador Jorge Viana (PT), rejeita a idéia de estremecimento e critica a polêmica aberta. "É absolutamente inoportuno esse debate. Ninguém discute fazer ou não prospecção. Se for detectado petróleo e gás, aí sim tem que abrir a discussão de como explorar e quais cuidados adotar. Porque não conheço nenhum lugar do mundo que tenha petróleo em baixo e vai ver se tira ou não. Quem acha, explora."

No debate realizado sem a presença do governador, o teatro lotado assistiu a palestras de integrantes de uma mesa favorável à idéia da prospecção: dois integrantes da ANP, representantes da classe produtiva e políticos ligados a Jorge Viana. A voz que se esperava dissonante viria do representante dos ambientalistas, Miguel Scarcello, da SOS Amazônia. Mas ele apresentou um abaixo-assinado por algumas entidades - a maior delas ligada ao governo - apoiando a idéia, desde que sejam estabelecidas "salvaguardas sócio-ambientais em todas as etapas do processo". O debate chegou a ser interrompido por um apagão de meia hora, decorrente do bloqueio do linhão de energia que liga Porto Velho (RO) a Rio Branco, o que evidenciou um dos problemas do Estado que embasam a idéia de Tião Viana: a dependência da energia do vizinho Estado de Rondônia. Sempre com seu contraponto ambiental.

"Diariamente, consumimos 1 milhão de litros de diesel de Porto Velho para atender as nossas térmicas. Perdemos cerca de R$ 100 milhões em ICMS com isso. E o gás natural polui 40% menos que o diesel. Seria uma redução da emissão de 400 milhões de toneladas de gás carbônico por ano. Sem falar a economia para a rede estatal elétrica, que, convertida em reflorestamento, asseguraria uma malha de 225 mil hectares de floresta degradada", diz o senador. O fator econômico é outro forte argumento de defesa. O caso da vizinha Urucu (AM) é mencionado constantemente. Segundo o senador, a exploração por lá rende mais de R$ 1 bilhão, entre royalties e ICMS, sem grandes danos ambientais. Tião Viana conseguiu neste ano que a ANP autorizasse os estudos. O pregão chegou a ser publicado no "Diário Oficial", mas, sem maiores explicações, foi suspenso.

A especulação sobre possível existência de gás e petróleo no Vale do Juruá não é nova. Nos anos 30, o pesquisador letão Victor Oppenheim explorou e mapeou a formação geológica de vários países da América do Sul e aventou a possibilidade da existência de combustíveis fósseis no então Território Federal do Acre. No seu encalço, o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) enviou pesquisadores, que confirmaram a hipótese. A inviabilidade da exploração na época fez com que o governo adiasse a prospecção para os anos 60 e 70, quando a Petrobras perfurou alguns poços, sem sucesso, mas com marcas: foram perfurados 11 poços, número considerado insuficiente para certificar a existência de combustíveis fósseis no subsolo.

Área com probabilidade de existência de petróleo é coberta por umas das maiores biodiversidades do planeta

O que há de inovador na questão toda é a idéia ser encampada por integrantes de um grupo político que cresceu enraizado no ambientalismo. Para pessoas ligadas a esse grupo, a questão do petróleo é apenas mais um fator de crítica. O alvo principal nos últimos anos tem sido a opção pela comercialização da madeira, legalmente, via manejo, intensificado na gestão petista. Pelo projeto, as terras são divididas em 30 lotes e, a cada ano, um deles é explorado, só podendo ser objeto de lucro novamente dentro de 30 anos. Os críticos dizem que o enfoque do manejo não deveria ser a madeira, mas os produtos tradicionais, como castanha, açaí e borracha. "O que ocorre é que você tem algumas commodities e algumas commodities madeireiras, que são mais valiosas. Nós não podemos deixar de fazer não-madeireiras, mas elas não servem para base de mercado. E a madeira é uma base de mercado", afirma Carlos Ovídio, secretário acreano da Floresta.

Os críticos dizem ainda que o manejo madeireiro é um risco, pois não há experiências concretas que comprovem seu sucesso. "Não tem quem tenha visto o efeito do manejo. O Acre acabou virando um modelo de experimento. Sem falar que não há controle de idade das árvores, não há fiscalização", afirma o professor da Universidade Federal do Acre Elder Andrade de Paula. Autor da tese de doutorado "Desenvolvimento insustentável na Amazônia Ocidental - dos missionários do progresso aos mercadores da natureza", ele defende que o modelo adotado não se sustenta ambientalmente, uma vez que baseado estritamente em aspectos mercadológicos e sem melhorias sócio-ambientais.

Esse tipo de crítica proceed para Toinho Alves, assessor de Binho e um dos formuladores do conceito de "florestania", descrito como um sentimento de pertencimento e respeito do cidadão à floresta. De cunho filosófico, a idéia fundamentou as metas de desenvolvimento sustentável do governo de Jorge Viana, baseada em três pilares de sustentabilidade : econômico, social e ambiental. "O que avançou aqui foi a sustentabilidade econômica. A social é pequena. E todos os aspectos que visavam incorporar o cuidado com o meio ambiente ficaram em segundo plano", diz Toinho Alves.

Analisados os números, constata-se que a economia acreana passou por uma revolução na era Viana. Politicamente habilidoso, o ex-governador conseguiu junto às instituições de fomento, em especial o BID e o BNDES, recursos que transformaram a infra-estrutura do Estado nos últimos oito anos. Junto com um retorno da ordem político-institucional em muito conquistada com a prisão do Esquadrão da Morte que aterrorizou a política e a população local nos anos 90, as restaurações de prédios, revitalizações de áreas urbanas, construção de pontes e pólos industriais, e abertura de avenidas e estradas ajudaram a resgatar a já elevada auto-estima acreana. O PIB mais que dobrou e o Estado passou a depender menos de transferências da União. Em 1999, tinha 16% de receita própria. No ano passado, a fatia era de 27%.

Por sua vez, o desmatamento no Estado, embora dentro dos padrões amazônicos, segue uma crescente em um dos Estados com menos áreas desmatadas: cerca de 10% . Jorge Viana afirma que isso em nada se relaciona com o manejo. "O manejo não pode pagar essa conta. O que ocorreu foi um grande financiamento para pequenos agricultores, que investiram em seus roçados. A maioria do desmatamento no Acre ocorre em pequenas propriedades. Não tem mais ninguém no Acre desmatando grandes áreas". O secretário da Floresta, Carlos Ovídio, defende que a maior parte do desmatamento no Estado é realizado dentro do limite máximo de 20% permitido pela legislação. "A tendência é que o Acre se estabilize com 84% de sua floresta em pé. Ainda tem 6% de desmatamento que vai acontecer em 12 anos. Não adianta tapar o sol com a peneira", afirma.

Sobre os índices sociais, que não mostraram grandes avanços (veja quadro acima), Viana afirma que esses resultados tardam mais a aparecer e coloca sob suspeição os dados. "O IDH não expressa a realidade social da Amazônia. É completamente furado. Você chegar na periferia de São Paulo e perguntar por uma creche e um pré-natal está certíssimo, agora não dá para chegar em uma aldeia, fazer a mesma pergunta e depois incluir isso dentro de um relatório e te botar lá para baixo nos indicadores sociais? O que estamos buscando é uma espécie de IDH verde que considere aspectos culturais, para não misturar com avaliação feita a partir de uma visão do Centro-Sul do país". Todavia, a população indígena do Estado em 2005 era de 14.451, aproximadamente 2% da total. Um terço dos habitantes do Acre vive em zonas rurais.

Ciente da situação social, a gestão Binho Marques já escolheu o foco. "Jorge foi o governador das grandes obras, Binho será das pequenas obras. Será responsável por esses ajustes", diz um interlocutor do governador.

Sindicalismo tenta retomar mobilização De Xapuri (AC)

O movimento sindical acreano, que fez história nos anos 70 e 80 e elevou a mártires seus principais líderes assassinados, como Wilson Pinheiro e Chico Mendes, trava agora uma batalha contra o silêncio. Resultado da chegada ao poder estadual em 1998, a voz que antes gritava nos famosos "empates". Contra os fazendeiros calou-se e desapareceu com a vitória nas urnas do petista Jorge Viana, ponto final de uma série de conquistas eleitorais pelo Estado.

O governo estadual colocou muito dinheiro nas organizações do movimento social, nos sindicatos. Deu cargo comissionado para todo mundo. Aí o pessoal se acomodou. Achou que a luta tinha terminado. Perderam a crítica. E quem é que vai criticar sendo empregado e financiado pelo governo? Começamos a ganhar eleições e o movimento acabou. Virou eleitoreiro. Os partidos se sindicalizaram e os sindicatos se partidarizaram?, afirma uma das lideranças daquele tempo, Osmarino Amâncio, braço direito de Chico Mendes e apontado na época como herdeiro político do sindicalista, morto em Xapuri em dezembro de 1988. O governo do Estado não respondeu quantos cargos comissionados foram criados no período, mas segundo o Ipea, os gastos com pessoal passaram de R$ 377 milhões em 2000 para R$ 837 milhões em 2005.

Osmarino conta que o ponto de partida para "refundação". Do sindicalismo acreano foi uma visita de equipes do governo estadual ao seringal em que vive, em Brasiléia, para discutir o manejo madeireiro, o que gerou revolta. "O manejo é a última experiência que deveria ser feita aqui. Vamos manejar a castanha, o açaí, o pequi, as plantas medicinais. Deixa o madeireiro por último. Estão fazendo o pessoal perder uma cultura nativa e introduzindo uma cultura que não é daqui".

A partir daí, passou a tentar reerguer o movimento sindical. Buscou antigos líderes, visitou seringais e começou a traçar a estratégia de retorno, que, ao contrário da fase áurea do movimento, não mais visa ao poder político. A meta é ganhar eleições nas entidades de base.

A vitória mais significativa já veio em junho do ano passado, quando Dercy Telles, segunda presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri, voltou ao cargo quase 30 anos depois. A vitória não foi tão tranqüila: venceu por 130 a 90. "Depois que conquistamos o poder político, o movimento acabou. Ficou todo mundo só aplaudindo. E é mesmo difícil se contrapor a quem te financia", diz ela, que afirma ter rompido convênios para formação, firmados com o Incra e com o governo do Estado, no valor de R$ 175 mil.

Fundador do PT e atualmente ligado ao P-SOL, Osmarino diz que outro município em que a oposição venceu foi em Porto Acre e que agora trabalha para eleger seu grupo em Brasiléia. "É um trabalho lento, de formação das bases. Mas se conseguirmos brecar o manejo em Xapuri, brecamos em todo o Estado."

A intenção desse grupo é tido pelos "de dentro" Como equivocada. Para antigos companheiros de luta e hoje ligados ao governo, a chegada ao poder de fato enfraqueceu o movimento, mas não houve aparelhamento. "Não houve cooptação. Algumas lideranças foram aproveitadas para trabalhar com o governo e outras que não foram, por opção delas. Incomodam-se hoje porque muitas atribuições que antes eram feitas pelos sindicatos passaram a ser feitas pelo governo, como a formação educacional", diz Júlio Barbosa (PT), ex-presidente do Conselho Nacional dos Seringueiros e vice de Chico Mendes em 1988.

Prefeito de Xapuri de 1996 a 2004, Barbosa trabalhou para a gestão Jorge Viana por dois anos. "Sou produtor de madeira. Essa turma que fala que é contra é minoria e vem na contramão da carruagem. Vivemos hoje um outro momento. Temos que ter senso crítico, mas reconhecendo os avanços que tivemos. Antes a luta era pela terra, agora é criar alternativas de produção pela nossa extensa floresta".

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