por Mônica Pinto, AmbienteBrasil, 28/11/2007
No dia 20 passado, em comemoração ao Dia Nacional da Consciência Negra, a Superintendência de Recursos Hídricos (SRH) do Estado da Bahia instituiu a Assessoria de Assuntos para Povos e Comunidades Tradicionais. Oficialmente, o novo órgão vai “trabalhar com a Justiça Ambiental pelas Águas, combatendo o racismo ambiental dentro da gestão de recursos hídricos do Governo Jaques Wagner”.
“O Estado sempre promoveu uma política econômica que não respeita memória cultural, material e imaterial dos povos e comunidades tradicionais, que sofrem com os impactos ambientais e o preconceito etno-racial, sem verem seu direito assegurado de ter um meio ambiente ecologicamente equilibrado, considerado um bem de uso comum do povo e essencial à qualidade de vida, como determina a Constituição Brasileira”, diz o novo assessor, Diosmar Filho.
AmbienteBrasil fez a ele três perguntas, cujas respostas estão a seguir.
AmbienteBrasil - O que é o “racismo ambiental dentro da gestão de recursos hídricos"? De que formas ele se manifesta?
Diosmar Filho - Antes de entrar na gestão de recursos hídricos, gostaria de socializar o conceito de Racismo Ambiental que mais se enquadra a essa pergunta, publicado em 2002 pelo doutor Júlio de Sá Rocha, no livro Direito Ambiental do Trabalho: mudança de paradigma na tutela jurídica à saúde do trabalhador: “Estudos da Comissão por Justiça Racial da Igreja Cristã United Church of Christ’s Comission for Racial Justice, realizados em 1978, concluíram que a contaminação e exposição de determinada comunidade à poluição e impactos ambientais, bem como as políticas de tutela, são proporcionalmente diferenciadas. O diretor da pesquisa designou essa política de racismo ambiental, ou seja, diferenciação da aplicação da política ambiental por fatores de ordem racial”.
A partir desta reflexão, posso dizer que na política de proteção ou uso das águas, o Racismo Ambiental se manifesta após as ações de Racismo institucionais, que são praticadas na estrutura interna dos órgãos públicos, através dos seus gestores, que determinam a política de acesso às águas deixando de olhar os povos e comunidades tradicionais como portadores de direito a esse patrimônio universal. Pois quando um gestor determina a abertura de uma comporta de barragem ou construção, deve ter não só como critério que essa ação gere desenvolvimento, mas pensar que nas margens desses rios historicamente vivem povos étnicos que perderão seu território. E irão parar onde, se seu ambiente foi ou será submerso?
Quando pensamos nas localizações de vivência dos povos negro e indígena, no meio rural ou urbano, há de se notar que tem separação no tratamento com relação às áreas onde vivem as minorias brancas ou amarelas, basta verificarmos como é feito o abastecimento de água e planejado o saneamento. Para tanto, temos que dar passos mais sustentáveis nas relações humanas para entender que água é essencial na qualidade de vida de todas e todos. O reflexo desta prática racista está nos conflitos que se estabeleceram nos últimos 50 anos na Bahia com a instalação de Barragens, Pólos Petroquímicos, Monoculturas (eucalipto, carcinicultura, soja) e outros grandes empreendimentos.
AB - Que instrumentos a Assessoria de Assuntos Para Povos e Comunidades Tradicionais usará para combater o Racismo Ambiental?
Diosmar - A partir do diálogo pela intersetorialidade interna e externa, a Assessoria trabalhará com dois instrumentos legais da Gestão de Recursos Hídricos do Estado da Bahia: a Lei da Política Estadual de Recursos Hídricos e Fundo Estadual de Recursos Hídricos. Destes, serão desenvolvidas as ações em consonância com a Diretoria Geral da Superintendência de Recursos Hídricos (SRH), que deu início em 2007 às ações para a Reparação Ambiental através das políticas interinstitucionais para os povos e comunidades tradicionais no Estado da Bahia.
Foi criado o Conselho das Cartas das Águas, espaço de controle social formado por representantes de povos e comunidades tradicionais após a realização dos Encontros pelas Águas. Em 2008, será realizado o I Seminário Estadual de Justiça Ambiental pelas Águas. Outro instrumento será a consolidação da Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável para os Povos e Comunidades Tradicionais no Estado da Bahia; nas ações do GT do São Francisco e da Política da Bahia para os Quilombolas – GT Intersetorial.
O objetivo é que esses trabalhos e outros consolidem o Programa de Política Pública de Justiça Ambiental e a Justiça pelas Águas na Gestão dos Recursos Hídricos da Superintendência de Recursos Hídricos – SRH/SEMARH.
AB - Há outros tipos de Racismo Ambiental observados na Bahia? E no Brasil?
Diosmar - Na Bahia, existem uma série de práticas de Racismo Ambiental, a exemplo da implantação há 39 anos do Centro Industrial de Aratu (CIA) na Região Metropolitana de Salvador (RMS), que hoje é a principal arrecadação econômica por concentrar indústrias petroquímicas e que transformou a RMS no segundo pior IDH do Brasil. Lá não foi respeitado o Direito Ambiental dos Povos e Comunidades Tradicionais ribeirinhas, terreiros de candomblé, pescadores e marisqueiras e remanescentes quilombolas que vivem na Baía de Todos os Santos (BTS). Todos foram engolidos pelo processo de desenvolvimento que gerou sérios impactos de saúde publica, pelo teor de contaminação da BTS, com portos como o de Aratu, Dow Quimica e Mataripe e a siderúrgica Vale do Rio Doce.
Outros fatores são a carcinicultura em Salinas das Margaridas, na Baía do Iguape, fundo da BTS, que privatizou os manguezais e gera impactos sociais e ambientais para os quilombolas, pescadores e marisqueiras que estão perdendo os seus territórios que tornaram privados e contaminados.
Outro sério problema é no oeste da Bahia com a expansão da soja e o desmatamento do Cerrado para o carvão, que mata nascentes importantes do Rio São Francisco e gera refugiados indígenas, de fundo de pasto, quilombolas e ribeirinhos, que perdem o direito ao acesso à fauna, flora e recursos hídricos para a sua sobrevivência histórica.
No âmbito nacional, a expansão da soja, cana-de-açúcar e pecuária na migração de gaúchos, paranaenses para os Matos Grossos. Lá se pode ver o exemplo da comunidade de Sorriso, onde índios foram expulsos e os negros e nordestinos foram separados para não se misturar com a raça pura sulista, não tendo direito de participação na produção e seus territórios não são respeitados pelos coronéis da política.
O que fica evidente nestas ações é a participação e conveniência do poder público. Como falei antes, o racismo, antes de tudo institucional, está em quem elabora essas políticas que ferem os códigos e leis ambientais, transformando-se em Racismo Ambiental. Reverter isso é difícil depois que a memória material e imaterial dessas comunidades foi destruída e estes povos foram destinados a viver nos morros e periferias dos centros urbanos, para serem transformados em marginais e serem de novo violentados pelo poder público com as ações da justiça.
Assim, precisamos de gestores com consciência de diversidade, que entendam que o ambiente não é para uma minoria que concentrar riqueza e, sim, um patrimônio constitucional para a qualidade de vida de todos - negros, brancos, índios, amarelos etc.
Leia também:
SRH combate racismo ambiental nas águas
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