Por Heitor Scalambrini Costa*
Professor Associado da Universidade Federal de Pernambuco
Para responder a questão se “a energia nuclear é uma boa solução para o Brasil (Nordeste)?”, caberia discutir se essa alternativa de geração de energia elétrica é econômica, segura e ambientalmente limpa. Esse debate é que temos que fazer com a sociedade.
Minha resposta é fácil: NÃO, pelas seguintes razões:
Sobre a economicidade dessas usinas núcleo-elétricas, segundo os estudos da EPE (Empresa de Pesquisa Energética), o custo da eletricidade nuclear de Angra 3 ficará em torno de R$ 138/MWh, abaixo dos custos de termoelétricas a gás e carvão importado, e abaixo dos custos da eletricidade eólica (R$ 240) e solar (R$ 1.798). Ainda sobre Angra 3 a Eletronuclear informa que o empreendimento custará R$ 7,2 bilhões, sendo que 70% do financiamento virão de recursos do BNDES e fontes estatais, e
os outros 30% de investidores internacionais.
As condições de financiamento são controversas, já que a Eletronuclear assumiu uma taxa de retorno para o investimento entre 8% e 10% - muito abaixo das praticadas pelo mercado, que variam de 12% a 18%. Somente uma taxa de retorno tão baixa pode viabilizar a tarifa de R$ 138 MW/h anunciada pelo governo federal para essa usina. A operação a baixas taxas de juros revela o subsídio estatal à construção de Angra 3. Estudos têm mostrado que somados juros e financiamento, Angra 3 não sairá por menos de R$ 9,5 bilhões, sem contar R$ 1,5 bilhão gastos até agora. Os subsídios governamentais ocultos no projeto dessa usina nuclear são perversos, porque serão disfarçados nas contas de luz. Se isso se verificar quem vai pagar a conta seremos nós os usuários, que já pagamos uma das mais altas tarifas de energia elétrica do mundo. Também é contestado o prazo de 66 meses estipulado pelo Ministério das Minas e Energia (MME) para a entrada em operação da usina. O governo fez uma estimativa de 30% de progresso já existente em sua construção. Ainda assim, os 70% restantes consumiriam em média pelo menos mais 96 meses, segundo estimativas.
A título de comparação de custos, a energia da hidrelétrica de Santo Antônio, foi negociada a uma tarifa de R$ 79/MWh, a hidrelétrica de Jirau, o preço foi de R$ 91/MWh (ambas no Rio Madeira), e o resultado do primeiro leilão de energia eólica no Brasil deixaram o MWh em torno de R$ 148. Bem mais reduzido que o apontado pela EPE para justificar a suposta viabilidade econômica da opção nuclear. Utilizando os R$ 7,2 bilhões alocados para Angra 3, seria possível construir um parque eólico com o dobro da capacidade da usina nuclear (1.350 MW) em apenas dois anos sem lixo radioativo ou risco de acidentes. E também, em termos prioritários de
como utilizar esse “dinheirão”, dados do Procel (Programa Nacional de Conservação de Energia Elétrica), mostram que cada R$ 1 bilhão empregado em programas de eficiência energética resulta em uma economia na potência instalada de 7.400 MW, o equivalente a 5,5 vezes a potência de Angra 3 ou a metade de Itaipu. Logo, se uma usina nuclear custa mais de R$ 7 bilhões, pode-se concluir que cada R$ 1 bilhão investido em eficiência pode evitar investimentos de até R$ 40 bilhões para gerar a mesma quantidade de
eletricidade nuclear. Portanto construir usinas nucleares no Brasil só será possível por meio de um verdadeiro saque aos cofres públicos. E, podemos considerar que a médio e longo prazo, o desvio de recursos públicos para a opção nuclear será um verdadeiro obstáculo ao estabelecimento de políticas de incentivo e promoção de energias renováveis no país.
Quanto à questão da segurança, apesar dos renovados esforços da indústria nuclear em apresentar-se como segura, acidentes em instalações nucleares em diversos países continuam a demonstrar que esta tecnologia é perigosa, oferecendo constantes riscos que podem trazer conseqüências catastróficas ao meio ambiente e à humanidade. O exemplo mais recente foi o acidente pós-terremoto em julho de 2007 (6,8 na escala Richter) na maior usina atômica do mundo, localizada em Kashiwazaki-Kariwa, no Japão, que
provocou, além do vazamento para o mar, a emissão de gás radioativo para a atmosfera.
Não podemos nos esquecer dos incidentes graves com reatores: Chernobyl (Ucrânia) e Three Milles Island (EUA). O primeiro ocorreu em abril/1986, com a explosão de um dos reatores possibilitando que uma nuvem radioativa cobrisse todo o centro-sul europeu. E em Three Milles Island em março/1979, que provocou grande extensão de danos, mas sem vítima nem vazamento de radiação para o ambiente. Acidentes em uma usina nuclear tem baixa probabilidade de ocorrência, mas quando ocorrem são de extrema gravidade em termos tanto dos impactos sobre a saúde humana quanto ao meio ambiente.
Do ponto de vista ambiental, afirmar que as centrais nucleares são “limpas” quanto à emissão de gases estufa é uma desinformação imensa, sobre a tecnologia dessas centrais e sobre as condições em que funcionam as etapas da cadeia de obtenção e de processamento do combustível que alimenta as usinas. Em operação rotineira, as centrais nucleares pouco agridem o meio ambiente, porém expõem a sociedade ao risco de acidentes que liberam na biosfera produtos de fissão de alta atividade, que podem trazer conseqüências catastróficas. Embora pequeno tal risco, existe, e não pode ser negligenciado. Ademais, essas usinas não resolveram o problema dos rejeitos de alta atividade, cuja deposição final demanda pesados investimentos. Estima-se que estes rejeitos tenham que ficar isolados durante 10 mil anos.
Os defensores desta tecnologia não incorporam em seus cálculos de emissões de gases estufa, o processo completo da produção da eletricidade, o chamado ciclo do combustível nuclear. Pois, se consideramos a mineração do urânio, o transporte, o enriquecimento, a posterior desmontagem da central e o processamento e confinamento dos rejeitos radioativos, esta opção produz entre 30 e 60 gramas de CO2 por kWh gerado, segundo dados da Agência Internacional de Energia Atômica. O cálculo que faz o Oxford Research Group chega a 113 gramas de CO2 por kWh. Isso é aproximadamente o que produz uma central a gás. No caso do enriquecimento para obtenção do combustível nuclear, os minérios que contém o metal pesado Urânio são complicadíssimos de serem "beneficiados", produzindo gases estufa em todas as etapas. Para obter o Urânio enriquecido que interessa aos reatores (3% enriquecido do isótopo 235), teríamos que rejeitar 970 kg de materiais para cada 30 kg de urânio físsil obtido. Para isso, se gasta uma enormidade de energia, inclusive na forma de vapor de água e de eletricidade produzidas em termoelétricas convencionais - grandes produtoras de CO2, de vapor de H2O e de gases nitrogenados -, e em hidroelétricas. Portanto, aqui também tem um mito, um afã de descartar,
cortar e mostrar uma parcialidade da realidade desta energia. Também, o uso de água na tecnologia nuclear é alto. Então, a análise deve considerar a quantidade de energia que colocamos de antemão para produzir a energia elétrica. É importante não omitir esses dados no debate sobre as soluções ao desafio energético do país.
E aí cabe mais uma mentira: a de que hidroelétrica não emite gás estufa.
Basta pensar que as represas, sobretudo em regiões quentes e áridas ou semi-áridas evaporam muito, e de novo teremos o vapor H20, e também o gás metano emanado da decomposição de matéria orgânica, nas represas que cobriram muita vegetação e camada de húmus.
A insistência em considerar a eletricidade nuclear como uma “fonte limpa” é tão grave quanto considerar a hidroelétrica em geral como renovável e não “poluidora”.
Além das questões econômicas, de segurança e ambientais, existem questões éticas que não se deve deixar para as futuras gerações a resolução de problemas da época presente. E isso está ocorrendo com os depósitos (ainda relativamente pequenos) de rejeitos de alta radioatividade (lixo atômico) que permanecem em piscinas nas proximidades dos reatores. Além de que a construção de novas usinas nucleares é sempre uma porta aberta para a possibilidade de produzir artefatos nucleares para fins militares, e para
o uso não pacífico dessa tecnologia.
O que a sociedade brasileira condena e não aceita mais é a falta de transparência sobre as escolha das opções energéticas, impedindo que tenha informações, e se manifeste, sobre como e onde seu dinheiro está sendo investido. Os custos econômicos, ambientais e sociais de usinas nucleares no Brasil (Nordeste) são altíssimos, e nada pode explicar tanta insistência com projetos tão desnecessários para o país e tão ineficazes em termos de geração de energia elétrica.
O debate energético atual se baseia em um modelo “ofertista” com recursos fósseis, com mega-hidroelétricas e com usinas nucleares. Ele precisa e deve ser substituído por um projeto diferente, contemporâneo dos desafios e possibilidades do século XXI, para que tenhamos segurança energética em longo prazo, com a diversificação e a complementaridade da matriz energética nacional, e com fontes renováveis de energia, levando assim em conta, um modelo de desenvolvimento sustentável.
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* Graduado em Física pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP/SP),
Mestrado em Ciências e Tecnologias Nucleares na Universidade Federal de Pernambuco e
Doutorado em Energética na Universidade de Marselha/Comissariado de Energia Atômica-França.